Territoriedade Afro
Territorialidade afro em Vila Seca 
A partir de referências acadêmicas e relatos de moradores, pode-se dizer que Vila Seca possui um lugar que pode ser definido como uma territorialidade afro. Nessa área, existe um cemitério e um espaço para moradias, e são eles que sustentam a definição. Começaremos pelo cemitério. Ouvimos seis pessoas que vivem ali perto e a maioria delas conta a mesma história: essa área foi doada por Niquinho Soares, um fazendeiro que viveu no território onde hoje fica Vila Seca entre 1850-1921. Ele destinou essa terra para um cemitério porque não queria que as pessoas negras fossem enterradas no mesmo lugar da sua família e dos moradores brancos.
Ao conversar com quem vive ali perto, ouvimos esse relato com frequência, mas, também, a informação de que esse cemitério servia, ainda, para enterrar quem não tinha condição de pagar para ser sepultado no outro. Porém, mesmo com esse fato ligado às condições financeiras, para muitos, o lugar ficou conhecido como o “cemitério dos negros”. Essa história está registrada, ainda, no livro “História do povo de Ana Rech. Volume I – Paróquia”, de Dall’Alba, Tomiello e Rech (1987). Conforme os autores, no século 19, Niquinho destinou uma área das suas amplas terras para que os negros fossem sepultados em outro lugar.
Cemitério da região do Capão da Erva em Vila Seca. Foto Marivania Sartoretto.
O segundo fato que contribui para essa territorialidade negra em Vila Seca fica bem em frente ao cemitério. Na Avenida Pacheco, há um lugar repleto de moradias que começou a ser chamado de Burguinho por algumas pessoas. Vários dos moradores com quem falamos atestam essa nomenclatura, porém, há outros que contestam. Uma das moradores mais antigas da localidade relata que a área pertencia ao seu sogro e, quando foi feita a divisão entre os herdeiros, um deles vendeu a sua parte. Posteriormente, ela foi novamente dividida e vendida, várias vezes e, dessa forma, o lugar foi se tornando mais populoso.
Quanto ao termo Burguinho, no livro "A Outra Face: A Presença de Afro-descendentes em Caxias do Sul – 1900 a 1950”, o autor Lucas Caregnato explica que pessoas dos Campos de Cima Serra chegaram a Caxias do Sul em busca de melhores condições de vida. Porém, era difícil adquirir imóveis na zona urbana da época, então, "restava-lhes a oportunidade de se fixarem ilegalmente, em locais próximos da zona central, porém, não demarcados, consideradas terras devolutas”. Entre esses lugares, que ficavam em áreas de declives acentuados, estava o Burgo. A área de Vila Seca, por ser um lugar que, para alguns, teria características parecidas com as do Burgo, mas em menores proporções, foi apelidada de Burguinho.
Essas duas situações se aplicam ao que Daniela Machado Vieira define como um território negro na dissertação de mestrado “Territórios negros em Porto Alegre/RS (1800 – 1970): Geografia histórica da presença negra no espaço urbano”. O trabalho acadêmico descreve que “o território negro é aqui concebido como espaço físico e simbólico configurado a partir da função (de habitação, trabalho, lazer etc.) e/ou de práticas culturais (como o batuque, o carnaval, a religiosidade etc.) exercidas por mulheres e homens negros, cuja significação é construída a partir da presença negra e/ou das atividades desenvolvidas por estes”. Como temos moradores, um nome que se relaciona a outro lugar com negros e características semelhantes e um cemitério com a origem descrita, entende-se que exista até hoje em Vila Seca um lugar que pode ser uma possibilidade de uma territorialidade afro. No entanto, é necessário que sejam feitos estudos mais aprofundados para que se garanta isso. Nosso objetivo é apresentar a história e estimular esse aprofundamento.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania L. Sartoretto
Texto: Paula Valduga
Fotos: Marivania L. Sartoretto
Ano: 2025
Para citar
SARTORETTO, Marivania L.; VALDUGA, Paula. Territorialidade afro em Vila Seca. Caxias do Sul: Patrimônio, Marcos e Lendas / Lei Paulo Gustavo, 2025. Disponível em: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/patrimonios/patrimonios-e-lendas/territoriedade-afro
Referências
CAREGNATO, Lucas. A Outra Face: A Presença de Afro-descendentes em Caxias do Sul – 1900 a 1950. Caxias do Sul: Maneco Liv. E Ed, 2010.
DALL‘ALBA, João Leonir; TOMIELLO, Antônio; RECH, Juarez E.; SUSIN, Valter A.. História do povo de Ana Rech. Volume I – Paróquia. Caxias do Sul: Educs, 1987.
VIEIRA, Daniele Machado Territórios Negros em Porto Alegre/RS (1800-1970): Geografia-histórica da presença negra no espaço urbano / Daniele Machado Vieira. -- 2017. 189 f
Depoimentos de moradores que não serão identificados