O empreendedorismo das mulheres
Empreendedorismo feminino em Caxias do Sul 
Em meio ao sistema patriarcal que dominava o Brasil no período da escravidão, algumas mulheres tiveram um grande destaque, e a história delas nos mostra o quanto elas também podem ter veia empreendedora. A imensa maioria das mulheres que viveram nessa época “casavam-se, via de regra, tão jovens que aos vinte anos eram praticamente consideradas solteironas. Era normal, na época, que aos quinze anos a mulher ja tivesse casada e com um filho, havendo muitas que se tornavam mães aos treze”. Essas afirmações estão na dissertação de mestrado “Submissão e poder - Mulheres Operárias de Caxias do Sul - 1900-1950”, escrita por Maria Conceição Abel Missel Machado e defendida na PUCRS em 1993.
Neste trabalho, ela reforça que essas meninas-mães escapavam do domínio do pai por meio do casamento, porém, caíam no domínio do marido. A situação era tão patriarcal, que a mulher chegava a ser considerada um bem econômico ou equivalente a um escravo. Um exemplo disso está na declaração de Garcia Rodrigues Velho ao relacionar os bens do dote de sua filha: "'primeiramente ela, dois vestidos de seda, um de veludo, outro de chamalote”. Maria Conceição também destaca que as mulheres da classe dominante tinham garantida a sua posição social, enquanto as Filhas pobres, de diferentes origens étnicas, sem herança e cercadas por preconceitos que limitavam seu acesso ao trabalho digno, muitas vezes viam no comércio do próprio corpo uma das poucas alternativas de sobrevivência.
Em relação às famílias de imigrantes, Maria Conceição destaca que, ao receber o lote rural, o trabalho começava com a derrubada da mata, a construção da casa e o cultivo da terra em busca do sustento. Os homens faziam o trabalho pesado e as mulheres se encarregavam das tarefas domésticas, das hortas e do cuidado com os animais de pequeno porte. “Ficava muito claro que aos homens cabiam as atividades lucrativas e às mulheres as atividades não lucrativas. Tirar leite, por exemplo, era serviço dasmulheres, mas quando o leite se destinava ao comércio, poderia ser uma tarefa dos homens”, escreve a autora.
Antes de entrar em exemplos de mulheres que desafiaram regras e se destacaram em meio a esse sistema altamente patriarcal, é importante reforçar que, se era difícil para a mulher branca, para a negra a situação era muito pior, pois enfrentavam uma dupla forma de exploração: além do trabalho forçado nas atividades produtivas, também eram frequentemente submetidas a abusos que reforçavam a desigualdade de gênero e raça da época.”
Porém, houve quem rompeu esse legado de subordinação que determinava que o lugar delas era somente dentro da estrutura familiar, como forma de evitar ameaças ao poder masculino. Isso começou a mudar quando algumas mulheres foram trabalhar em fábricas para aumentar a renda da família, já que a vida havia mudado a partir do crescimento do meio urbano. No entanto, mesmo lá na indústria, ela era tratada como inferior. "A entrada da mulher na fábrica, especialmente a partir da Revolução Industrial, a colocou em um espaço antes dominado por homens. Apesar de seu trabalho ser fundamental para a acumulação de capital das indústrias, ela era vista como mão de obra desvalorizada,submissa e obediente, com salários inferiores aos dos homens, mesmo em funções iguais”, descreve Maria Conceição.
Um dos exemplos de mulheres que não se curvaram ao patriarcado e fizeram diferença é o de Anna Maria Pauletti Rech. Nós contamos a história dela neste texto, e a sua importância é tão grande, que ela tem um bairro com o seu nome em Caxias do Sul. Acesse o link e conheça a sua história.
Outra mulher que merece destaque é Luigia Carolina Zanrosso Eberle, mais conhecida pelo seu apelido: Gigia Bandera. Ela nasceu em Schio, em 2 de junho de 1854 e faleceu em Caxias do Sul, no dia 8 de março de 1918. Conforme os registros sobre sua vida, Gigia foi a primeira mulher a trabalhar na funilaria como empresária e uma das pioneiras da metalurgia na cidade. Em 1886, Giuseppe Eberle, seu marido, adquiriu uma funilaria e uma casa comercial em Caxias do Sul, mas como também era barbeiro e agricultor, passou a administração do negócio para a esposa. Conforme Charles Tonet, citado nos materiais referenciados abaixo, "percebendo a necessidade de produção de objetos de utilidades domésticas e ferramentaria agrícola, diante da constante entrada de grandes levas de imigrantes, (Gigia) vislumbra um crescente mercado consumidor”.
Ela tornou-se uma exímia funileira e fez o negócio crescer oferecendo uma grande variedade de produtos. Tonet acrescenta: "a funilaria prosperava atendendo à crescente demanda por artigosde utilidade doméstica, na medida em que o crescimento populacional era exponencial, e também por situar-se num excelente ponto comercial”. Os negócios foram expandidos com a abertura de uma vidraçaria que atuou no segmento da construção na época em que a sede urbana estava crescendo. Ao lado dela nessa época, estava o filho Abramo Eberle, que foi “seu aprendiz e auxiliar”. Em 1896, ele assumiu os negócios que se transformariam em uma metalúrgica que faz parte da história de Caxias do Sul. Toda essa trajetória fez de Gigia um símbolo do empreendedorismo feminino no município. Desde 1987, existe um prêmio com o seu nome.
O nome de Amábile Zanandrea Stedile (1915 - 2015) também precisa ser destacado neste conteúdo. "Acho que fui a primeira mulher em Caxias a vender gasolina e a tirar carteira de motorista.” Ela disse essa frase em 2012, quando estava com 97 anos e foi entrevistada para a produção de um perfil. Ela foi casada com Francisco Stedile, a quem ajudava no atendimento aos clientes da Casa de Borrachas, empresa que ele criou em 1947. O negócio vendia desde gasolina até tratores e pianos. Além de estar ao lado dele no comércio e cuidar da casa e da família, ela também era a responsável pelas finanças. Controlando as despesas com atenção e cuidado, conseguia economizar.
Foi com o incentivo de Amábile que Stedile deu o grande passo da sua vida de empreendedor. Com o surgimento da Agrale e da Fras-le. Na empresa, ela teve um papel essencial, atuando no encaminhamento da assistência médica aos funcionários e também na companhia ao marido em eventos sociais e empresariais. Na década de 1970, foi uma das fundadoras do Rotary Cinquentenário, o que contribuiu para a sua forte atuação comunitária em Caxias do Sul. Entre os vários reconhecimentos à sua trajetória, esteve o título de Cidadã Caxiense, entregue em dezembro de 2012.
Quem também teve uma trajetória empresarial foi Noêmia Antunes Rezende. Filha de Armando Antunes e Jandira Neves Antunes, criou-se vendo a mãe apoiar o pai na recepção aos visitantes da cantina que eles mantinham em Caxias do Sul. Jandira também recebia representantes, apoiava o trabalho em diversos setores da empresa quando era necessário e participava da idealização dos rótulos dos produtos. Envolvido em questões importantes da cidade, Armando seguiu nos negócios até 1965, quando solicitou afastamento por conta da idade avançada e das condições de saúde. A empresa, então, foi assumida por Noêmia, que seguiu os passos da sua mãe.
Sem dúvidas, essas mulheres abriram caminhos e se tornaram inspiração para muitas outras que ajudaram ou seguem contribuindo para que Caxias do Sul cresça e se desenvolva.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania L. Sartoretto
Texto: Paula Valduga
Fotos: Marivania L. Sartoretto
Ano: 2025
Para citar
SARTORETTO, Marivania L.; VALDUGA, Paula. Empreendedorismo feminino em Caxias do Sul. Patrimônio, Marcos e Lendas / Lei Paulo Gustavo. Caxias do Sul. 2025. Disponível em: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/patrimonios/patrimonios-e-lendas/o-empreendedorismo-das-mulheres
Referências
Depoimento compartilhado por Flúvia Stedile Angeli.
Machado, Maria Conceição Abel Missel Submissão e poder: mulheres operárias de Caxias do Sul, 1900-1950. Porto Alegre: PUCRS, 1993-227p. Dissertação Mestrado
Gigia Bandera. Disponivel em: https://www.pt.wikipedia.org/wiki/GigiaBandera. Acessado em 09/058/2025.
Mirante: caderno do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami / Prefeitura de Caxias do Sul. AHMJSA_ Caxias do Sul, 1999- Disponivel em: https://arquivomunicipal.caxias.rs.gov.br/uploads/r/unidade-arquivo-publico-4/b/6/d/b6d791f3106b07f010012f8e73de44846250bfe99a48ae510df811087035d7a0/br_rs_apmcs_pm_17_10_04_05_Mirante_Cantina_Antunes.pdf Acessado em: 09 de ago 2025