
Vime em Caxias do Sul
O vime está entrelaçado com o interior de Caxias do Sul
A trama do vime está entrelaçada na história de alguns distritos de Caxias do Sul e segue viva até hoje em Ana Rech. Usado para amarrar os parreirais, o vime desembarcou aqui junto com os imigrantes italianos, se espalhou pelas videiras e chegou a muitos outros produtos. Um arbusto que precisa de muita água, o vime é plantado em banhados, brota na primavera e é cortado no inverno, normalmente com entre quatro e cinco metros de altura. Com esse grande comprimento e muita flexibilidade, pode ser usado de diversas formas, incluindo os balaios tão conhecidos na Serra Gaúcha.
Conforme a publicação "Ocorrências Nº 5 – Vime, taquara epalha", elaborada para a exposição "Tramas", realizada pelo Museu e Arquivo Histórico Municipal em 1987, as famílias tinham o cuidado de cultivar alguns pés de vime justamente para usarem nos parreirais. No período da brotação das parreiras, era usado para amarrar os brotos; e na hora da colheita, usado na confecção de cestas e balaios. Em relação ao processo industrial, foi utilizado na empalhação de garrafas e garrafões. Por conta disso, muitas propriedades que tinham vinícolas contavam também com plantações de vime.
O auge do uso do produto em Caxias do Sul foi em 1940, mas a história começou bem antes. Há relatos de que Menegheto Rech Camel, que chegou em 1884, foi o primeiro a confeccioná-los. Um dos desafios sempre foi descascar, e surgiram alguns instrumentos que ajudavam nisso. Porém, mesmo com algumas mudanças pontuais, como o cozimento do arbusto antes de ser descascado, a tradição pouco foi alterada. Houve um tempo em que até as crianças ajudavam a descascar em busca de alguns trocados. Atualmente, existem outras maneiras de confeccionar os produtos, porém há artigos que seguem sendo feitos da forma tradicional no território de Caxias do Sul.
Na década de 1940, Albino Saccaro interessou-se por essa trama e aproximou-se do tio, João De Martini, que possuía uma fábrica de vimes em Carlos Barbosa. Depois de alguns meses aprendendo, uniu-se ao irmão, Angelo, e, em 1947, fundou em Ana Rech uma empresa chamada Irmãos Saccaro Ltda. Eles produziam balaios, cestos, berços, bolsas e outros itens. Conforme relatos, Albino enxergava longe e importou da Alemanha uma máquina que beneficiava a matéria-prima. A sociedade seguiu até 1956, quando os irmãos se separaram e Albino fundou uma nova empresa, com o seu nome. Além dos produtos que já fazia antes, passou a empalhar garrafões.
Já em 1970, ao lado do filho Jorge, que havia emancipado, fundou a Indústria de Vimes Pioneira Ltda. A partir dessa etapa, começou a produzir móveis de vime que chegaram a ser vendidos em São Paulo e outros Estados brasileiros, levando para longe o nome de Ana Rech. Na década seguinte, instalada em outro endereço, passou a ter uma área para exposição de produtos e foi seguindo a sua trajetória. Está em atividade até hoje, agora com o nome de Saccaro Móveis, uma empresa reconhecida em todo o país pela qualidade dos produtos que entrega.
Paralelamente a essa história, se desenvolvia também a empresa de Angelo, que passou a levar seu nome e transferiu a lida com o vime para as gerações seguintes. O seu filho, Arlindo Antonio Saccaro, aprendeu tudo com o pai e, em 1968, fundou em Ana Rech a Vimes Saccaro, que segue em funcionamento até hoje, mantendo a produção 90% manual.
Em 2024, Rosângela Saccaro Soares, integrante da terceira geração, segue com o negócio e faz questão de usar a fibra natural. Segundo ela, o sintético entrou muito forte nesse mercado, mas elas mantêm a matéria-prima que conta não apenas a história da sua família, mas também a relação de Ana Rech com o vime. A produção é principalmente sob encomenda, mas há alguns itens a pronta-entrega. O mix inclui cestas básicas e de piquenique, bandejas, cavalinho e berço para crianças, entre outros itens. Cestos de roupas podem ser feitos sob medida, assim como gavetas e outros produtos relacionados ao mercado da arquitetura.
Os produtos oferecidos pela Vimes Saccaro materializam um legado que passou por diversas etapas e lugares de Ana Rech. Há registros de que o arbusto chegou a ser plantado pelo Colégio Murialdo em um antigo banhado dos Frades Camaldulenses e, no começo da sua história, era usado tanto para amarrar os parreirais, quanto para tramar os cestos onde a uva era carregada, ou seja, a relação com a vitivinicultura, uma das principais atividades dos imigrantes, era muito forte.
Do outro lado do município, na região de Forqueta, o vime também segue vivo. Esse é outro território que recebeu muitos imigrantes italianos, e, por lá, as parreiras também eram amarradas com vime. Além disso, os moradores o usavam também nos garrafões de vinho. Esse trabalho era um complemento na renda de diversas pessoas. Na década de 1980, o vime era o negócio de Adacir José Silvestre, porém, em 1985, conforme publicação jornalística, a Indústria e Comércio de Vimes pegou fogo. De acordo com o jornal, havia suspeita de o incêndio ter sido criminoso. Na ocasião, Silvestre tinha 150 mil quilos de vime estocados, o que dá uma dimensão do tamanho do negócio. Hoje, o vime não tem esse alcance por lá, mas moradores como Darci Klering e o seu sogro, Domingos Bampi, ainda o trançam para produzir cestas.
Nos distritos de Vila Oliva, Fazenda Souza e Santa Lúcia do Piaí, o vime também teve a sua história. Gilmar Viganó, um morador de Vila Oliva, lembra com nostalgia que, quando era criança, atuava em uma empresa de Santa Lúcia do Piaí no período em que não estava estudando e a sua tarefa era descascar vime. Segundo ele, muitos jovens da época faziam esse serviço. Paulo Soares reforça essa história e acrescenta que essa empresa onde Viganó atuou era muito importante para o distrito de Santa Lúcia. “Muitas famílias locais complementavam a sua renda atuando ali”, diz. A respeito de Fazenda Souza, quem atesta a importância do vime para o distrito é Alcindo Isoton. Segundo ele, essa planta contribuiu para o desenvolvimento da comunidade.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania L. Sartoretto
Texto: Paula Valduga
Fotos: Marivania L. Sartoretto
Ano: 2025
Para creditar
SARTORETTO, Marivania L.; VALDUGA, Paula. O vime está entrelaçado com o interior de Caxias do Sul. Patrimônio, Marcos e Lendas / Lei Paulo Gustavo. Caxias do Sul, 2025. Disponível em: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/patrimonios/patrimonios-e-lendas/vime-em-caxias-do-sul
Referências
Jornal xxxx
OCORRÊNCIAS Nº 5 – VIME, TAQUARA E PALHA, elaborado para a exposição TRAMAS, realizada pelo Museu e Arquivo Histórico Municipal, em 1987
Depoimentos de Rosângela Saccaro Soares, Gilmar Viganó, Paulo Soares e Alcindo Isoton