
Presença afro em Vila Oliva
A presença afro no território de Caxias do Sul - Vila Oliva 
A presença africana no território de Caxias do Sul faz parte da construção desse município e tem legados que seguem até os dias de hoje. A presença dos afrodescendentes por aqui contribuiu muito com o trabalho braçal nas fazendas e em outros lugares onde eles atuaram depois da abolição da escravatura. Tanto conversando com moradores, quanto lendo livros a respeito deles, é possível encontrar relatos que reforçam a sua importância no desenvolvimento de Caxias.
Inês Casagrande Viganó, moradora de Vila Oliva, é uma testemunha dessa história. Ela presenciava os afrodescendentes trabalhando nas fazendas e cumprindo outras atividades após a libertação. Entre elas, estava o trabalho nas serrarias, por exemplo. A convivência era excelente e foram eles, inclusive, quem a ensinaram a falar “brasileiro”, como se refere à Língua Portuguesa. “Na minha família, se falava o dialeto italiano, e perto da nossa casa, vivia um casal de afrodescendentes que tinha crianças pequenas e eles me ensinaram a falar brasileiro”, conta ela.
Para Inês, ouvir o idioma e aprender com eles é algo uma boa recordação. Conforme ela, o casal se chamava Tonha e Pedrinho, e as lembranças incluem o capricho com que cuidavam das suas coisas, inclusive as roupas que ganhavam da família de Inês como pagamento por tarefas. “Nem sempre se tinha dinheiro para pagar o trabalho que a Tonha fazia remendando roupas para a nossa família”, complementa. Chegou um dia, porém, em que o casal se mudou dali e ela nunca mais viu.
Na conversa sobre a presença dos afrodescendentes, ela cita de cabeça muitos outros que viviam por perto da sua casa. “O José Moraes e a Carmelinda também trabalhavam como diaristas. Eles viviam em pedaços de terrenos que sobravam das colônias e eram do governo. Tinha também o Chico Martins, que veio do Juá. A mulher dele era a Mariazinha. Eles moraram bastante tempo por aqui, depois ele saiu como tropeiro”, relembra, reforçando a sua família gostava muito de todos eles.
Confraternização região na região entre Tunas e Santa Terezinha. Foto Gema Antônia Casagrande.
Um outro fato que está presente na memória de Inês é a diversão. Na época, aconteciam muitos bailes, e ali onde ela vivia, brancos e afrodescendentes conviviam muito bem. “Tinham grandes bailes em Canudos, no distrito de Santa Lúcia do Piaí. Eles iam no domingo, dançavam a noite toda e voltavam na segunda, a pé. E quem vivia em Canudos também ia para os bailes do Bem-Te-Vi”, relata, reforçando que ali todos se divertiam juntos, mas “no Juá, os bailes eram separados”. Conforme o relato da moradora, Canudos era o lugar onde mais havia afrodescendentes, mas na região dela, que tinha muitos italianos, eles eram bem aceitos, o que não acontecia em todos os lugares. Inês lembra de terem acontecido até alguns casamentos entre brancos e afrodescendentes, mas reforça que eram raros.
Uma demonstração da presença dos afrodescendentes em Vila Oliva ficou eternizada em uma fotografia da primeira igreja da localidade. Ao se olhar para ela com atenção, percebe-se a presença deles em um número significativo. Essa igreja, a título de curiosidade, foi levada para a comunidade de São Roque, em Fazenda Souza, quando a nova foi erguida ali.
Outro fato que vale destacar é a lembrança da professora Isabel Troian. Ela conta que, na escola onde trabalhava, havia um professor afro e, também, crianças dessa descendência em sala de aula. Da mesma forma, Renan Daneluz e Eder Dall’Agnol, que tinham familiares nas localidades de Santa Terezinha e Tunas Altas, reforçam a presença afro nesses lugares.
Foto em frente à primeira igreja de Vila Oliva, na década de 1930. Acervo Renan Daneluz. Fotógrafo não identificado.
Além dos depoimentos e da fotografia, citamos ainda o livro “Presença africana na Serra Gaúcha: subsídios”, de Loraine Slomp Giron, como um documento que reforça a ação dos afrodescendentes por aqui. Ela escreve: "Antigos escravos acorreram à região habitada pelos imigrantes europeus que se situava nas proximidades dos campos. Os muitos escravos viviam nas proximidades da Região Colonial Italiana, na região dos Campos, como em Criúva, Vila Oliva e Vila Seca, então pertencentes ao município de São Francisco de Paula, e que faziam limite com a antiga Colônia Caxias”.
A convivência também tem exemplos citados no livro de Loraine. Ela conta que, com os tropeiros, os imigrantes aprendiam não apenas a língua, mas também uma nova cultura. "O papel dos tropeiros, negros e brancos,na disseminação da língua, dos costumes e das notícias foi fundamental.Segundo lembranças de imigrantes, "negro e caboclo muito ajudaram, como se derrubava uma árvore e a
desdobrá-lo sobre estaleiros. Ensinavam o nome de cadaárvore". Ensinavam a utilização de árvores nativas”, escreve a autora. Ela ainda cita o chimarrão como um hábito que os tropeiros incorporaram à vida dos imigrantes.
A presença desses povo afro segue em distritos de Caxias do Sul através de seus descendentes e do cultivo do gado, um legado que segue vivo. A presença deles contribuiu na formação do gaúcho, e eles seguem presentes em CTGs, como é possível verificar ao se frequentar esses lugares no território caxiense.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania L. Sartoretto
Texto: Paula Valduga
Fotos: Marivania L. Sartoretto
Ano: 2025
Para citar
SARTORETTO, Marivania L.; VALDUGA, Paula. A presença afro no território de Caxias do Sul - Vila Oliva . Caxias do Sul: Patrimônio, Marcos e Lendas / Lei Paulo Gustavo, 2025. Disponível em: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/patrimonios/patrimonios-e-lendas/presenca-afro-em-vila-oliva
Referências
Depoimentos de Inês Casagrande Viganó, Renan Daneluz, Eder Dall’Agnol e Isabel Troian
GIRON, Loraine Slomp. Presença africana na Serra Gaúcha: subsídios. Porto Alegre: Letra e Vida, 2009.
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