
Lanceiros Negros
Lanceiros Negros em Caxias do Sul 
O grupo surgiu em 2008, com o objetivo de resgatar, valorizar e difundir a presença do negro na história, nas lutas, na formação cultural do Rio Grande do Sul e representar Caxias do Sul em eventos e manifestações de temática afro-gaúchal. Após um período pausa, retomou suas atividades em 2023, atua oficialmente como Organização Não Governamental, de forma regulamentada.
Serginho Ubirajara conta que os Lanceiros Negros em Caxias do Sul surgiram a partir de um convite da 25ª. Na ocasião, foi sugerida uma apresentação em que os Lanceiros carregariam um saco, dentro de uma performance artística. Ele então respondeu:
“Não. Quando nos convidar, não convide apenas nossos corpos, convide também nossas mentes. Já temos negros que recordam a democracia, pessoas preparadas, que estudam. Temos um movimento ativo, mesmo que, muitas vezes, ainda perguntem: ‘Como me dirigir a um negro? Como chamá-lo?’”
Serginho descreve como os Lanceiros construíram seus figurinos: colete à prova de bala, botas, calça no modelo xiripá — de origem indígena — e lenço ou faixa que identificava o lado pelo qual lutavam. Mas, acima de qualquer símbolo, o que movia os Lanceiros era uma causa maior: a liberdade. Não importava se estavam ao lado do Império ou dos fazendeiros — a luta verdadeira era pela emancipação. A estreia oficial do Corpo de Lanceiros Negros de Caxias do Sul ocorreu na Semana Farroupilha de 2008. Em seguida, o grupo também passou a integrar os desfiles da tradicional Festa Nacional da Uva e diversos outros eventos.
Esse grupo, destaca Ubirajara, dedica-se a reconstruir a trajetória dos Lanceiros e a contar sua verdadeira história. Entre suas referências estão o poeta Oliveira Silveira, articulador de ações culturais ligadas ao movimento negro, e o Mestre Chocolate, capoeirista de grande influência, responsável pela formação de inúmeros praticantes que se tornaram reconhecidos nacionalmente. O negro gaúcho tem história, trabalho, raízes e contribuições singulares. Os Lanceiros Negros não deixaram apenas memória, mas também símbolos e bandeiras de resistência. O grupo que resgata os Lanceiros, em Caxias do Sul, conta com o apoio de padrinhos importantes, como o poeta Sebastião Teixeira e o músico Omair Trindade, que fortalecem e dão visibilidade ao movimento.
Ele também ressalta que, no Brasil, muitos ainda acreditam que o Rio Grande do Sul não tem presença negra, apenas branca. Esquecem-se, porém, das charqueadas — um trabalho insalubre e exaustivo sustentado pela mão de obra escravizada. Enquanto em outras regiões do país os negros eram explorados no café, na cana-de-açúcar ou em outros setores, no Sul atuavam na produção do charque e na pecuária. Além disso, sofriam não apenas com o peso da escravidão, mas também com o rigor do frio e das geadas — uma condição ainda mais dura e desumana.
Esse apagamento da presença negra no Rio Grande do Sul se reflete até na linguagem: fala-se do charque, mas não da charqueada, tampouco de quem o produzia. Por isso, muitos ainda acreditam que não houve escravidão na região.
Ele enfatiza que o negro gaúcho possui expressões culturais próprias: assim como o baiano é reconhecido pela musicalidade e o carioca por suas manifestações culturais, no Rio Grande do Sul o negro se expressa em desfiles de Carnaval e nas danças afro-gaúchas, marcadas pelo som do supapo — instrumento fundamental que simboliza um jeito único de ser negro no Sul.
Outra herança pouco conhecida é o Batuque, religião de matriz africana nascida no Rio Grande do Sul e que, em muitos aspectos, mostra-se até mais forte do que a Umbanda. Hoje, existem mais de mil terreiros de Umbanda em Caxias do Sul — a maioria deles administrada por brancos —, o que revela que, mesmo diante do racismo estrutural, há uma miscigenação que fortalece as tradições afro-brasileiras. Vale lembrar ainda que a bandeira da Umbanda foi criada em Caxias do Sul e é hoje reconhecida em todo o Brasil.
O papel cultural dos negros gaúchos também se manifesta no samba. Em 2025, um sambista caxiense concorreu para integrar o samba-enredo da Portela, no Rio de Janeiro, para o Carnaval de 2026, que homenageará Custódio Joaquim de Almeida, o Príncipe Custódio, que viveu no Rio Grande do Sul. Assim, o samba que nasce em Caxias do Sul disputa espaço em uma das maiores escolas do país.
Resumo – Massacre dos Lanceiros Negros (Sanga dos Porongos)
Conforme informações do AHMJSA, os “Lanceiros Negros” originais foram dois corpos militares compostos, em sua maioria, por negros livres ou libertos pela República Rio-Grandense, que combateram na Revolução Farroupilha. Cada corpo era formado por oito companhias de 51 homens, somando 408 lanceiros. O 1º Corpo de Lanceiros Negros tornou-se o mais reconhecido, sendo organizado e treinado inicialmente pelo coronel Joaquim Pedro — antigo capitão do Exército Imperial, veterano da Guerra Peninsular e das campanhas platinas. Nesse processo, contou com o apoio do major Joaquim Teixeira Nunes, combatente experiente que também se destacou na Guerra Cisplatina.
Segundo o professor e historiador Dalton Jr., no vídeo “Lanceiros Negros e o Massacre dos Porongos” publicado em seu canal no YouTube, o episódio da Sanga dos Porongos foi um dos mais marcantes e trágicos da Guerra dos Farrapos (1835–1845), a mais longa guerra civil da história do Brasil.
Contexto da Guerra dos Farrapos
A revolta ocorreu no Rio Grande do Sul contra o Império, motivada principalmente pelos altos impostos sobre o charque gaúcho, que perdia competitividade frente ao produto uruguaio. Embora conhecida como uma guerra popular, foi liderada pela elite estancieira, que recrutou a população escravizada para reforçar as tropas. Os escravizados viam na guerra a possibilidade de conquistar a liberdade, prometida ao final do conflito. Estima-se que chegaram a representar um terço das tropas farroupilhas.
Lanceiros Negros
Escravizados e libertos atuaram como soldados de infantaria.
Receberam a promessa de liberdade, mas a República Rio-Grandense nunca aboliu oficialmente a escravidão.
Muitos líderes farroupilhas, mesmo declarando ideias abolicionistas, venderam seus escravizados para financiar o movimento.
O Massacre de Porongos
Em 14 de novembro de 1844, o esquadrão dos Lanceiros Negros foi surpreendido em acampamento na região de Pinheiro Machado (RS).
O ataque das tropas imperiais resultou em mais de 100 mortos; os sobreviventes foram enviados ao Rio de Janeiro e mantidos como escravizados.
Evidências indicam que o massacre pode ter sido tramado pelas próprias lideranças farroupilhas, especialmente o general David Canabarro, em acordo com o barão de Caxias. Canabarro teria desarmado os Lanceiros na véspera e ignorado avisos sobre a aproximação das tropas imperiais.
Consequências
O massacre enfraqueceu os farroupilhas e abriu caminho para o Tratado de Poncho Verde (1845), que encerrou a guerra.
Embora o tratado previsse liberdade para escravizados que lutaram, muitos foram presos e enviados ao Rio de Janeiro, considerados perigosos para a ordem escravista.
Durante muito tempo, o episódio foi silenciado pela tradição gaúcha. Apenas em 2004 foi erguido o Memorial aos Lanceiros Negros em Pinheiro Machado.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania L. Sartoretto
Fotos: Marivania L. Sartoretto
Ano: 2025
Para citar:
SARTORETTO, Marivania L. Lanceiros Negros em Caxias do Sul . Patrimônio, Marcos e Lendas / Lei Paulo Gustavo. Caxias do Sul, 2025. Disponível em: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/patrimonios/patrimonios-e-lendas/lanceiros-negros
Referências
Depoimento de Serginho Ubirajara
Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami.Uma Noite no Arquivo – 8ª edição | atração confirmada: Corpo de Lanceiros Negros. Instagran. Caxias do Sul, 2025. Disponível em: https://www.instagram.com/p/DNVdgBGuacG/?img_index=1. Acessado em 17 de jun de 2025.
Dalton Jr. Lanceiros Negros e o Massacre dos Porongos. YouTube. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=lKPrMurA-c4 . Acessado em 17 de jun de 2025.