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Casa dos Costamilan

Casa dos Costamilan

Casa dos Costamilan, preservada pelos seus descendentes mantem viva história dos antepassados que muito contribuiu com o desenvolvimento da região.
Casa dos Costamilan

Casarão dos Costamilan guarda a memória do Loreto

 

Um casarão preservado em Forqueta guarda em suas memórias boa parte do legado de desenvolvimento de Caxias do Sul. O imigrante Giácomo Costamilan veio de Pérgine, na região do Tirol, e teve um filho que deixou o seu nome, Caetano Costamilan, marcado na trajetória caxiense. A história começa quando Giácomo ainda morava em Pérgine, em uma casa própria de dois pisos, e convivia com pessoas de mais posses.

Pérgine era uma cidade desenvolvida, com castelos, igrejas e outras construções imponentes, e Giácomo e sua família viviam bem. Por um tempo, ele havia servido ao Exército, porém, quando decidiu casar-se com Ana Maria Peternolli, havia a iminência de ser convocado para a guerra que resultou na unificação da Itália e, como já havia cumprido o mínimo de tempo obrigatório e com excelente desempenho, pediu a baixa - a qual obteve com condecorações - e abriu um comércio.

Em Pérgine, porém, existiam senhores detentores de grandes áreas de terras. Com falta de área para ser comprada e construir a própria vida e a ameaça permanente de ser convocado para o exército, João Costamilan, o filho mais velho de Giácomo e Ana Maria, estava decidido a “fazer a América”. Em 1878, já eram entregues por lá cartas dos primeiros imigrantes italianos, chegados na Serra Gaúcha em 1875, informando que a vida ia bem no Brasil. Em um dos trechos do livro Homens e Mitos na História de Caxias, de Angelo Ricardo Costamilan, há o seguinte trecho sobre isso: “… alguns amigos de Giácomo escreviam-lhe dando conta de que tinham muita esperança de melhores dias para os seus filhos, apesar das grandes dificuldades que estavam encontrando e de inexistirem as condições e vantagens apregoadas pelos agentes da imigração. De qualquer forma, haviam sido, bem ou mal, amparados pelo governo e pelo menos já eram possuidores de um pedaço de terra que lhes provia o sustento, o que jamais poderiam esperar do solo árido da sua Pátria”.

Vendo que o filho mais velho, João, estava decidido a ir sozinho e que nada poderia fazer para evitar, Ana Maria então decidiu que toda família imigraria. Ela, Giácomo e os filhos João, então com 18 anos, José, 16, Caetano, 15, Virgínia, 11, e Maria, 5, viajaram para Trento e embarcaram para o Brasil. Ao chegar ao então Campo dos Bugres, estabeleceram-se em São Valentin da 2ª Légua. Giácomo abriu uma venda, João mais velho, seguiu o seu plano de trabalhar com agricultura e os dois filhos José e Caetano  foram a Porto Alegre concluir os estudos, planos que já haviam manifestado antes de partir de Pérgine.

O estabelecimento comercial de Giácomo destacava-se pela variedade de produtos que disponibilizava. Por estar no caminho para Nova Milano, tinha muito movimento. Com a vida estabelecida no Brasil, Giácomo e Ana Maria tiveram outro filho em 1880, Frederico. Seis anos depois, em 1886, viram Caetano e José, já formados, voltarem para casa. Em São Valentim, eles abriram a própria loja, chamada José Costamilan & Irmãos e que contou com o apoio do pai, e viram o negócio prosperar ano a ano.

A vida seguia normalmente, com a família crescendo - Caetano casou-se com Maria Michelli em 1888; José casou-se no ano seguinte com Cândida Guerra -, quando houve um baque inesperado. No retorno de uma viagem à Capital para fazer compras para o estabelecimento comercial, às vésperas do Carnaval de 1890, o vapor (uma espécie de navio) Maratá, em que ele estava, explodiu. Aos 27 anos, José morreu nesse trágico acidente, deixando a esposa grávida e a família muito abalada. Caetano deu seguimento ao negócio sem a parceria do irmão até 1893, quando decidiu que se mudaria para Loreto, um lugar que já tinha mais movimento. Começaria ali uma trajetória que ficaria fortemente marcada na história de Forqueta.

Bem sucedido, como costumava acontecer com os comerciantes, Caetano construiu a primeira de suas dois importantes casas, a última delas é a que está preservada até hoje. A primeira foi erguida por um conhecido imigrante italiano na época, o Sr. Bristot, e possuía o porão dividido em duas partes. Na frente, ficavam produtos estocados, como querosene, por exemplo, e atrás, pipas com vinho. O piso superior abrigava o comércio e a residência da família. No sótão, havia “quartos de emergência” e o estoque de mercadorias. As obras ficaram prontas em 1893 e, portanto, nesse ano, Caetano mudou-se. Os pais permaneceram em São Valentim, assim como João. O irmão caçula, Frederico, estudava em Caxias.

No Loreto, o estabelecimento de Caetano era um ponto de encontro de moradores e crescia em número de clientes. Bem quisto na cidade, ele tornou-se uma referência para os moradores. Em 1894, passou a ter novamente a companhia dos pais, que mudaram-se para Loreto e contribuíam com opiniões a respeito das importantes decisões que seriam tomadas. Uma delas surgiu em 1896, quando Caetano decidiu articular a construção da estrada entre Forqueta e a região do Caí, de onde se podia ir a Porto Alegre por via fluvial. Antes de Caetano passar a se dedicar à conquista da obra, só era possível andar pelas picadas montados em animais. Após a mobilização coordenada por ele, foi aberto um caminho que podia ser percorrido por carroças, o que impactou no desenvolvimento da localidade.

Nesse mesmo ano, com o seu negócio tendo grande sucesso desde 1894, ele entendeu que era o momento de fazer uma nova casa. Durante este ano, porém, paralelamente à intenção de ampliar a casa, ele tomava outras decisões importantes. O novo vigário da paróquia de Santa Tereza, Pedro Nosadini, assumiu em 1896 e era forte opositor da maçonaria. A Sociedade Católica criada por ele tinha comitês católicos nas léguas do interior e, em Loreto, o escolhido para presidir o comitê foi Caetano. Religioso e referência na comunidade, era o melhor nome para reforçar o Cristianismo e freiar o avanço da maçonaria.

Os conflitos eram frequentes e chegaram à violência, quando o padre foi agredido e houve tiros em direção à casa canônica. Para se proteger, o religioso se refugiou na casa de Caetano. Nessa mesma época, o comerciante foi indicado para compor a chapa com Campos Jr. como Conselheiro Municipal. Mesmo sabendo que morava longe de Caxias do Sul e que se envolver com a política poderia tirar tempo dos negócios, Caetano decidiu aceitar, por ter sido sempre fiel às causas republicanas e não ter motivos que colocassem em xeque a sua amizade com Campos Jr. Caetano, então, passou a percorrer a comunidade pedindo que as pessoas dessem seu voto a Campos Jr. Algumas delas não pretendiam manter o candidato da situação, mas por respeito a Caetano, mudaram seu voto e apoiaram Campos Jr. Ao saber do envolvimento do comerciante, o padre Nosadini entendeu como uma “graça divina”, pois teria um importante aliado no centro das decisões, em Caxias. O que ambos não sabiam, porém, era que havia uma traição sendo planejada. As cédulas distribuídas não tinham o nome de Caetano, que foi omitido. O padre, leal ao amigo, escreveu uma carta-aberta ao então presidente do Estado e denunciou Campos Jr. Esse foi mais um baque para Caetano.

Ele seguiu, então, com a obra da casa, dando continuidade ao seu outro objetivo naquele momento. A construção foi erguida com 16 metros de comprimento por 12 de largura e oito de altura, sendo os primeiros quatro em pedra e os demais em tijolos. As obras começaram em dezembro de 1896, e a nova casa e as boas perspectivas para o negócio foram as memórias boas que Caetano levou daquele ano de traição. No dia 11 de dezembro de 1897, um ano depois, ele fez uma importante inauguração para o seu casarão e não convidou os integrantes da maçonaria e os líderes da colônia, o que inflou novamente os conflitos. A parte de baixo de casa abrigava uma vinícola, a primeira do Loreto, e a de cima, com mais dois pisos, o comércio e a moradia.

O capricho de Caetano é visível até hoje em cada detalhe. Ele não economizou nas despesas no momento de construir esse lugar em que morava e trabalhava. Como o terreno tinha um declive, as fundações possibilitaram que a fachada da frente, no segundo piso, ficasse praticamente no nível na rua, e o porão só era visto dos fundos. Entre os destaques do casarão, estavam as aberturas emolduradas por grades de ferro batido, um verdadeira trabalho artístico assinado por Gustavo Casapiccola. Algumas dessas aberturas ainda guardam os vidros originais.

Casa da família Costamilan / Acervo pessoal de Cintia Costamilan / Divulgação

A porta da loja, no segundo piso, tem até hoje uma característica que remete ao passado. Ao ser aberta, faz soar a campainha que Caetano Costamilan ouvia todas as manhãs, quando abria o seu estabelecimento. Estão lá ainda, também, os calços usados para manter as duas folhas da porta abertas. A vitrine, construída com todo zelo, segue intacta. No interior, um dos metros usados para medir as chamadas “fazendas” também segue preservado. No fundo do prédio, ficavam as carroças que descarregavam mercadorias, ou seja, as “novidades da Capital”, que chegavam a Loreto por meio de Caetano. Elas eram colocadas primeiramente no porão e, depois levadas para a loja. Nessa parte de baixo, ficavam também as pipas com vinho e duas salas destinadas a armazenamento. Um delas tinha carnes salgadas e frios. A outra guardava cal, sulfato e outros produtos. A cozinha do casarão se destacava por ter um fogão que, na época, tinha o dobro do tamanho dos que eram usados pelos demais moradores.

No terceiro piso, ficava a moradia. Eram quatro quartos, sendo dois em uma extremidade e dois na outra. A área central, Caetano destinou para guardar as sacarias. Havia, também, um “quartinho secreto”, onde ele mantinha os artigos mais sofisticados, como peças de seda, linhas e outros armarinhos cujo estoque era ali, e não no porão, como o restante dos itens. A construção não tem todas as características originais porque, em 1980, foi necessário fazer uma reforma, porém, guarda muito do que se via quando foi inaugurada, em 1897.

Voltando para aquele ano, é importante destacar que, também em 1897, foi inaugurada a igreja de Loreto, que contou com forte participação de Caetano em um contratempo com os sinos importados em 1890. Um deles chegou quebrado, e o comerciante foi ágil e articulado para conseguir um novo. Para prestigiar o grande evento de inauguração da casa religiosa, cavaleiros da Sexta, Sétima e Nona Léguas chegaram ao Loreto em caravana para participar da inauguração e, também, conhecer o famoso casarão de Caetano, recém inaugurado. A Banda Municipal de Caxias do Sul também participou da festa, o que foi considerado um acontecimento inédito para uma vila do interior.

Dali até o ano de 1904, quando faleceu, Caetano Costamilan viu os seus negócios prosperarem, mas seguiu enfrentando problemas com a maçonaria. Em dois momentos, seus vinhos foram batizados, na primeira vez, por comerciantes da Capital. Já na segunda, por fornecedores. Essas situações contribuíram para que ele adoecesse e acabasse falecendo, no dia 19 de dezembro de 1904. Deixou a esposa, Maria, e 10 filhos: João, José, Caetano, Frederico, Ernesto, Angelo, Sétimo, Hermelinda, Maria Tereza e Josefina. O mais velho tinha apenas 13 anos.

Antes de morrer pediu à esposa que nunca deixasse faltar estudo aos filhos. Houve ocasiões em que ela os levava de cavalo ao seminário, para cumprir a promessa feita ao marido. Visionário, Caetano acumulou reconhecimento pelas suas a realizações em Loreto, entre elas, a escola da comunidade, que foi batizada com o seu nome: Escola Municipal Caetano Costamilan. Após a sua morte, o irmão mais novo, Frederico, desativou a vinícola e assumiu o comércio, ficando à frente do negócio até que os filhos mais velhos de Caetano se formassem e pudessem assumir, em 1909.

José e Caetano filho conduziram o negócio do pai até 1921, quando o comércio então passou para os irmãos Ernesto e Sétimo, que o tocaram ao lado da mãe da irmã Maria. Seguindo o comportamento visionário do pai, em 1938, eles compraram um caminhão para transportar as mercadorias. Foi a primeira vez que uma casa de comércio do interior de Caxias do Sul adquiria um veículo desses. O negócio seguiu até 1975, quando foi desativado.

Na geração seguinte, dos netos de Costamilan, a família atuou com gado, mas sem deixar a veia comercial de lado. Eles vendiam leite no centro de Caxias do Sul e, para atender a todos os clientes, compravam também de outros produtores para revender. No interior, comercializavam aos produtores ração e produtos veterinários, acompanhando as mudanças do mercado e mantendo a veia comercial do avô. A relação com os animais, porém, acabou resultando também em uma nova profissão que se estendeu pela família. Neto de Caetano, Sady Costamilan atuou como veterinário até a sua morte, atendendo a chamados e comercializando medicamentos. Seu filho, Flávio, segui a profissão do pai e trabalha até hoje como veterinário na localidade.

Quem também segue por lá o lindo casarão, cuidado com muito carinho pelo bisnetos de Caetano, Flávio, Rita e Cíntia, e pela mãe deles, Anair, esposa de Sady. Graças a eles, essa história que tanto contribuiu para o desenvolvimento da região segue viva entre as paredes do casarão.

 

Fonte: Livro Homens e Mitos na História de Caxias do Sul, de Angelo Ricardo Costamilan