
Capitéis
A fé se espalha pelos capitéis de Caxias do Sul
Durante a produção do livro “Caxias do Sul: história e cultura nos distritos", nos deparamos com um diversos capitéis, essas pequenas capelas que se espalham pelo interior. Ao se informar sobre elas, é comum ouvir histórias de promessas que foram pagas com essas construções. Os pedidos e as graças alcançadas têm motivos diversos, como problemas de saúde, desafios a serem superados, um sonho a ser conquistado, entre outros. Basicamente, os capitéis têm formatos diversos e um santo no seu interior.
Eles foram estudados por Gevehr e Nandi (2016), que os relacionam com as práticas cotidianas de religiosidade do passado. “A construção dos capitéis, embora apresente características particulares que identificam cada um dos oratórios, está cercada de elementos simbólicos coletivos. Desta forma a materialização desses oratórios representa alguma graça alcançada, grande ato de fé, sendo compreendida pelos seus criadores como a prova da força dos santos e uma forma de manifestação divina", escrevem.
Ao citar Tomaz (2010) e Lemos Junior (2011), os autores acrescentam que os capitéis fazem parte da herança patrimonial da região, já que “o patrimônio pode representar um conjunto de bens materiais ou imateriais que guardam memórias". No caso dos capitéis, eles contém tanto a materialidade, quanto a imaterialidade, já que, por trás das construções, existem histórias que vão passando de geração em geração. Vamos relatar alguma delas.
Em janeiro de 1963, Sylvino Dal Como e dois amigos precisavam cruzar o Rio Piaí, em Galópolis divisa com Santa Lúcia do Piaí, a cavalo. Sabiam que era perigoso, houve quem alertasse para não entrar na água, mas eles foram. No meio do caminho, o cavalo de Sylvino parou. A correnteza era forte e ele pediu ajuda a São Cristóvão, porque lembrou de uma lenda em que um menino conseguiu atravessar um rio porque carregava a imagem do santo nos ombros. “Eu prometi no meio do rio que se nos salvássemos, construiríamos um capitel para São Cristóvão”, conta.
Tudo isso aconteceu. Ele e os amigos chegaram à outra margem do rio e, ainda de madrugada, foram pedir autorização de um vizinho para erguer uma pequena capela em um determinado local. Sylvino trabalhou pessoalmente na construção e tem a data da inauguração fresca na memória: “Ficou pronto em 5 de maio de 1963”. Histórias como essas se espalham pelo interior de Caxias do Sul. Quem pega o carro e percorre as estradas encontra um série de capitéis pelo caminho e, se for buscar informações com a comunidade, ouvirá mais um relato de graças alcançadas.
Outra delas, também em Galópolis, conta que o capitel em honra a São Roque guarda uma devoção centenária. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), Renato Galló, um dos filhos de Hércules Galló, foi baleado na Itália. O projétil, porém, teria desviado na medalhinha do santo que ele carregava junto ao peito. Como agradecimento, o pai mandou vir da Itália uma imagem do santo, que foi colocada em uma pequena capela no jardim da casa de Amábile Cesa Vial e Égide Vial Basso, responsáveis por cuidar dela.
Ainda nesta região de Caxias do Sul, há a história do capitel em honra a São José. Foi construído por Jose Comerlatto que, no início da década de 1930, deparou-se com um animal que não soube dizer se era um tigre ou uma onça. Ao se ver frente a frente com o animal, pediu que São José o ajudasse e prometeu que, caso se salvasse, ergueria ali mesmo um capitel em honra ao santo, pois considerava que seria um milagre. A história conta que, no instante seguinte ao pedido, o animal desviou e foi embora. No dia 13 de setembro de 1931, o capitel foi inaugurado, e a promessa, cumprida.
No território de Caxias do Sul, existem muitos capitéis, e cada um deles guarda a sua história e está cercado de elementos simbólicos. Voltando a citar Gevehr e Nandi (2016), podemos ressaltar que as ligações entre eles e os familiares dos seus idealizadores são formas de se manter a história presente e preservar o legado dos que já partiram.
Este conteúdo integra o projeto Patrimônios, lendas e marcos de Caxias do Sul, financiado pela Lei Paulo Gustavo de Caxias do Sul.
Produção, organização e Curadoria: Marivania L. Sartoretto
Texto: Paula Valduga
Fotos: Marivania L. Sartoretto.
Ano: 2025
Para citar
SARTORETTO, Marivania L.; VALDUGA, Paula. A fé se espalha pelos capitéis de Caxias do Sul. Patrimônio, Marcos e Lendas / Lei Paulo Gustavo. Caxias do Sul. 2025. Disponível em: https://www.guiadecaxiasdosul.com/turismo/patrimonios/patrimonios-e-lendas/capiteis
Referências
GEVEHR, D. L., & NANDI, A. (2016). Os capitéis como lugares de devoção e de celebração em comunidade: representação, memória e identidade em uma colônia italiana no sul do Brasil. Domínios Da Imagem, 10(18), 29–49. https://doi.org/10.5433/2237-9126.2016v10n18p29
Depoimento de Sylvino Dal Como